Capítulo 2 – O Encontro Inesperado:
O encontro com Miguel deixou Beatriz desconcertada. Ela segurava a carta de visita nas mãos, com os dedos ligeiramente tremendo. Aquele homem era diferente de todos os outros que passavam pela praça. Havia algo nele, uma sensação de presença, de autoridade, mas ao mesmo tempo, uma vulnerabilidade que ela não conseguia explicar. Ela observou a carta por um momento, vendo o nome dele impresso com letras douradas sobre o fundo escuro, e um número de telefone que parecia fora de lugar, como se fosse de outro mundo. Beatriz suspirou, guardando a carta na bolsa com a sensação de que algo grande estava prestes a acontecer. Mas, em seguida, sacudiu a cabeça, tentando se livrar dos pensamentos que começaram a se formar em sua mente. "Ele não vai voltar. Isso é só uma gentileza, algo que homens como ele fazem de vez em quando, mas logo vão se esquecer", pensou. E, no entanto, uma parte dela não queria deixar aquilo ir. Nos dias seguintes, Beatriz continuou sua rotina. Vendeu pães e doces nas praças, distribuiu sorrisos para os poucos clientes que passavam por ali e voltou para casa cansada, como sempre. A situação parecia inalterada, com a vida insistindo em seguir seu curso árido e imutável. E, como havia previsto, Miguel não apareceu novamente. Beatriz guardou a carta no fundo da bolsa, quase esquecida entre suas contas e anotações, enquanto lidava com a saúde de sua mãe e tentava colocar a casa em ordem. Até que, uma manhã, uma semana depois, o telefone tocou. Beatriz estava na cozinha, preparando o café da manhã para sua mãe, quando o som do aparelho interrompeu o silêncio da casa. Ela hesitou por um momento, o peso da rotina fazendo-a pensar que talvez fosse mais uma ligação de cobrança ou um pedido de ajuda de algum amigo da mãe. Mas quando pegou o telefone e olhou o número, o coração deu um salto. Era o número de Miguel. "Será que ele lembra de mim?", pensou, um turbilhão de emoções começando a se formar no peito. Ela atendeu com um misto de cautela e curiosidade: - Alô? A voz do outro lado foi calma, mas cheia de energia. "Oi, Beatriz, aqui é Miguel, lembra de mim?" - ele disse, e Beatriz sentiu um arrepio. O tom dele parecia natural, como se fosse uma conversa entre velhos conhecidos, mas havia uma intensidade subjacente que fez com que sua mente começasse a questionar tudo. - Claro, lembro - Beatriz respondeu, tentando soar mais tranquila do que realmente estava. - Como você conseguiu o meu número? - Eu tenho meus métodos - respondeu ele, com uma risada baixa, que não parecia presunçosa, mas sim como se estivesse tentando quebrar o gelo. - Olha, eu queria saber se você teria tempo para tomar um café comigo. Senti que a nossa conversa ficou pela metade, e eu gostaria de... saber mais sobre você. O convite a pegou de surpresa. Beatriz nunca fora do tipo que aceitava convites assim, especialmente de homens que mal conhecia. Mas havia algo na voz dele, um certo charme que a fez hesitar. Ela pensou na sua mãe, que já começava a depender cada vez mais dela, e na rotina que a mantinha aprisionada. Ao mesmo tempo, sentiu uma vontade crescente de sair daquela bolha, de se permitir um momento de algo que não fosse apenas sobrevivência. - Eu... não sei. Não costumo sair muito - ela disse, tentando encontrar uma desculpa. - Eu trabalho o dia todo, e... tenho que cuidar da minha mãe. Miguel percebeu a hesitação dela e respondeu, sem pressionar, mas com uma suavidade que fez Beatriz se sentir à vontade: - Eu entendo, Beatriz. Não quero te incomodar. Eu apenas pensei que seria bom te conhecer melhor, de forma mais pessoal. O que acha de me dar essa chance? Acho que vai ser interessante para ambos. Ela ficou em silêncio por alguns segundos. A proposta parecia inusitada, mas algo em sua voz a fez pensar que talvez ele fosse genuíno. Uma parte de Beatriz queria dizer não e voltar à sua rotina previsível. Mas outra parte, a mais corajosa, sentia que talvez fosse a oportunidade que ela procurava. - Ok, podemos tomar um café - ela disse, por fim, decidida a ver no que isso daria. - Ótimo! Vou te buscar às três da tarde. Estarei na frente da sua casa. - Miguel falou com um entusiasmo quase infantil, como se estivesse realmente ansioso para o encontro. O telefonema terminou rapidamente, e Beatriz ficou parada por alguns segundos, pensando no que acabara de fazer. Ela se sentou na mesa da cozinha, com a mente agitada. "Será que ele tem intenções românticas? Ou será apenas um gesto de gentileza?" O pensamento a incomodava, mas também despertava uma curiosidade que ela não podia ignorar. Quando o relógio marcou três horas, Beatriz estava pronta. Ela tentou se olhar no espelho, sentindo-se estranha com a roupa simples que usava, mas não queria parecer algo que não era. Ao contrário, queria ser autêntica, sem jogar nenhuma fachada. Ela saiu de casa e, ao olhar para o lado de fora, viu Miguel estacionado em um carro de luxo. Ele estava esperando pacientemente, com o olhar atento, mas sem pressa. Quando ele a viu sair, sorriu amplamente, e Beatriz sentiu, pela primeira vez em muito tempo, uma sensação de reconhecimento. Era como se ele realmente estivesse feliz por vê-la. - Olá, Beatriz! - ele disse, ao sair do carro e abrir a porta para ela. - Fico feliz que tenha aceitado. Ela sorriu nervosamente e entrou no carro, sentindo-se deslocada pela diferença entre eles, mas, ao mesmo tempo, sentindo algo de novo e excitante no ar. Durante o trajeto até o café, Miguel falava com facilidade sobre sua vida. Falou sobre os negócios que gerenciava, a responsabilidade que sentia de manter o legado da família, e como, apesar de ter tudo o que o dinheiro poderia oferecer, ainda sentia um vazio profundo dentro de si. Beatriz ouviu com atenção, mas não se sentia totalmente à vontade para expor seus próprios sentimentos. Ela sabia que sua vida era muito diferente da dele, mas algo nela queria entender o que ele queria com aquele encontro. Finalmente, chegaram ao café. Era um lugar elegante e moderno, bem diferente dos pequenos cafés da cidade que Beatriz costumava frequentar. Mas, apesar de se sentir um pouco deslocada, ela tentou se manter calma, apreciando a experiência. Miguel a fez sentir-se especial, algo raro em sua vida, onde cada dia parecia uma luta constante para sobreviver. O encontro seguiu de forma leve, com Miguel perguntando mais sobre Beatriz. Ela se viu contando um pouco mais sobre sua história, sobre sua luta diária e a dor de ver a mãe cada vez mais dependente. Ele escutava com atenção, sem interromper, e ela, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se ouvida. Havia algo em Miguel que parecia genuíno, algo que a fazia acreditar que ele não estava ali apenas por curiosidade. Mas, ao mesmo tempo, ela não conseguia se livrar da sensação de que ele era um enigma, algo difícil de decifrar. O que ele queria dela? Qual era a real intenção por trás daquele gesto? Miguel parecia perceber sua incerteza, e no final do encontro, disse suavemente: - Eu realmente gostei de conversar com você, Beatriz. Não sei o que você pensa sobre isso, mas gostaria de te ajudar. Às vezes, todos nós precisamos de um empurrão para conseguir sair da rotina e dar um passo à frente. O que acha? Ela ficou em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Não sabia o que responder, mas algo em seu peito dizia que aquele encontro, aquele homem, não seria facilmente esquecido.