3 – A Proposta:
O encontro com Miguel deixou Beatriz mais inquieta do que ela gostaria de admitir. Nos dias seguintes, sua mente girava em torno das palavras dele, do jeito que ele a olhou, como se estivesse vendo mais do que a simples vendedora de pães que ela era. Ela voltou à sua rotina diária, vendendo seus produtos nas praças e cuidando da mãe, mas algo parecia diferente. Havia uma sensação no ar, como se sua vida estivesse à beira de uma mudança que ela não conseguia controlar. Miguel não a procurou imediatamente após o encontro, e Beatriz não sabia o que pensar. Será que ele estava apenas sendo educado? Ou talvez, como ela temia, fosse tudo uma distração momentânea para ele? Ela não queria se iludir, mas a maneira como ele a tratou foi diferente de tudo o que ela já havia vivido. Ele a olhava com um interesse genuíno, e suas palavras tinham um peso que Beatriz não conseguia esquecer. Foi uma semana depois do café que o telefone dela tocou novamente. O número era o mesmo de antes, e o coração de Beatriz acelerou. Ela sabia que, ao atender, sua vida poderia mudar para sempre. E, ao mesmo tempo, sentia o medo de que aquilo fosse mais um engano. Ela respirou fundo e atendeu. - Alô? - disse Beatriz, tentando esconder a ansiedade na voz. - Olá, Beatriz. É o Miguel. Como você está? - a voz dele era suave, mas com um tom de familiaridade que a fazia se sentir à vontade, como se já o conhecesse há muito tempo. - Estou bem, obrigado - respondeu Beatriz, sem saber muito bem o que dizer. Ela ainda estava tentando processar o que havia acontecido entre os dois. - E você, como está? - Estou bem, também - ele disse, com um sorriso perceptível em sua voz. - Eu estava pensando em você, na nossa conversa. E acho que posso te ajudar com algumas coisas. Posso ser sincero? Beatriz sentiu um frio na barriga, um pressentimento de que algo grande estava prestes a acontecer. - Claro. - Ela falou, sem saber o que esperar. Miguel fez uma pausa antes de continuar, como se estivesse ponderando as palavras. Ela podia quase ouvi-lo respirando do outro lado da linha. - Beatriz, eu sei que você tem uma vida difícil, e sei o quanto você luta todos os dias. Eu quero te ajudar. Quero te oferecer uma oportunidade. Mas antes de continuar, preciso que você me escute com calma. Ela ficou em silêncio, absorvendo suas palavras. A curiosidade a consumia, mas havia também uma ponta de receio. Ela já conhecia o preço de aceitar "ajuda" das pessoas. O que Miguel queria dela? Ela sentiu o peso da decisão, mas não conseguia resistir ao impulso de saber mais. - Eu te escuto - disse ela, com a voz suave, mas firme. - Eu tenho um projeto - começou Miguel, como se estivesse começando a explicar algo muito importante. - Como você sabe, minha vida é muito diferente da sua. Eu tenho tudo o que alguém poderia desejar: dinheiro, status, uma carreira bem-sucedida... Mas o que eu não tenho, Beatriz, é alguém em quem eu realmente confie, alguém que me veja por quem eu sou, e não pelo que eu tenho. Isso tem sido uma solidão difícil de lidar. Beatriz sentiu um aperto no peito ao ouvir suas palavras. Ela sabia o que era viver em um mundo onde as pessoas olhavam para você e viam apenas sua condição. Mas o que ele queria com ela? De repente, ela se sentiu vulnerável, como se estivesse em uma linha tênue entre a esperança e a desconfiança. - O que você está propondo, Miguel? - ela perguntou, tentando entender onde ele queria chegar. Ele respirou fundo e, finalmente, fez a proposta que mudaria a vida dela para sempre. - Eu gostaria que você fosse minha namorada, Beatriz. Não no sentido tradicional, mas uma "namorada falsa", por assim dizer. Algo que não envolva sentimentos profundos, mas que sirva para mostrar ao mundo que sou capaz de ter alguém ao meu lado. Eu sei que isso pode soar estranho, mas aqui está o ponto: eu pago pelo seu tempo, pelas suas necessidades, e você pode viver de forma mais confortável. Você e sua mãe teriam o que precisam, sem se preocupar com dinheiro, sem essa luta constante pela sobrevivência. Beatriz ficou em choque. As palavras dele eram como um soco no estômago. Ela não sabia o que dizer. A proposta parecia absurda, mas ao mesmo tempo, algo dentro dela dizia que não era uma mentira. Miguel parecia genuíno, e talvez fosse essa a solução que ela tanto procurava. Ele continuou: - Eu entendo se você achar que estou sendo insensível, Beatriz. Mas acredito que posso te ajudar a mudar sua vida. Sem cobranças, sem compromissos reais. Apenas... uma troca mútua. O que acha? Beatriz sentiu o mundo girar ao seu redor. A proposta parecia surreal, mas algo nela sabia que aquilo poderia ser o começo de algo novo, algo que ela não poderia ignorar. Por um momento, ela pensou em recusar, em manter sua dignidade, em continuar lutando sozinha. Mas a realidade da sua vida, da sua luta diária, fez com que ela olhasse para a oferta de Miguel com outros olhos. Ela olhou ao redor, vendo sua casa simples, sua mãe doente, e o futuro que parecia tão escuro à frente. E naquele momento, algo dentro dela cedeu. Ela sabia que não podia continuar do jeito que estava. - E quanto tempo você quer que isso dure? - ela perguntou, a voz mais baixa agora, mas firme. Miguel respondeu rapidamente: - Eu não quero nada em troca, Beatriz. Não estou te pedindo para fazer nada que você não queira. Apenas... me permita ser sua "falsa" companhia. Eu posso ajudar com tudo o que você precisar, sem que haja expectativas. Apenas uma troca de benefícios, como duas pessoas que podem se ajudar mutuamente. Ela hesitou, mas a realidade de sua vida parecia empurrá-la para essa decisão. Era uma proposta que ela nunca imaginou receber, mas ao mesmo tempo, a ideia de finalmente respirar aliviada, de poder ajudar sua mãe sem o peso das dificuldades financeiras, a fez reconsiderar. - Está bem - ela disse, por fim, com uma voz que parecia quase trêmula. - Eu aceito. Miguel, do outro lado da linha, sorriu de uma forma que Beatriz não pôde ver, mas sentiu em cada palavra que ele disse a seguir: - Ótimo, Beatriz. Eu sabia que você ia entender. Vamos fazer isso funcionar. Eu estarei aqui para te ajudar. O telefone desligou, e Beatriz ficou em silêncio, olhando para o aparelho em suas mãos. Ela sentia uma mistura de emoções: alívio, medo, insegurança. Mas acima de tudo, sentia que acabara de entrar em um caminho desconhecido, e não sabia se estava pronta para os desafios que viriam. Mas uma coisa ela sabia: sua vida jamais seria a mesma.